
Especialista diz...
O Psiquiatra e Psicanalista, Fabrício Donizete da Costa tira algumas dúvidas sobre transexualidade.
Qual a importância de fazer acompanhamento psicológico nesse momento de transição?
É uma questão muito singular, já que cada sujeito está numa fase de transição. Nem mesmo as pessoas Cis estão prontas e acabadas, "resolvidas", seja com sua sexualidade, seja com seus relacionamentos, por exemplo. Embora algumas pessoas possam "se achar" supostamente prontas e definidas, constituídas por um "Eu" consistente e inabalável, os ditos narcisistas, por exemplo... Então a indicação da psicoterapia, na minha opinião, passa sem dúvida por um vetor ético, por existir na fala daquele sujeito que procura um analista, por ter um ou alguns sofrimentos, muitas vezes nomeado como um sintoma, que não precisa ser necessariamente a transição de gênero... embora costume ser a transição um sintoma em alguns casos... Faço um reparo: sintoma aqui não é um termo estritamente limitado ao sentido médico, sinônimo de uma marca de uma patologia. Me refiro aqui a sintoma como um "sentir mal" [ Sintoma - Sinto mal], um mal-estar, muitas vezes perceptível na forma de angústia, de vazio existencial, de falta de sentido, de um corolário de queixas, dificuldades, que enrijecem a vida.
Como falar com os pais sobre a transexualidade?
Não há uma regra. Depende dos pais. Mas falar não pode ser transmitido por um outro que não seja o próprio sujeito em transição. Falar nesse caso é um ato solitário, como é todo o ato. Não pode ser terceirizado ao psiquiatra ou ao psicólogo, na minha opinião.
Quais são os efeitos das transformações do corpo e da mente? Algumas pessoas se arrependem.
Vai depender de cada caso. Quanto a arrependimento há casos na literatura de diversas formas de arrepender-se. Uma rápida busca no oráculo da atualidade nos levaria ao site "Sex Change Regret ". Ou mesmo, no pubmed, um estudo de Coorte de Amsterdam pode ser analisado neste artigo, em seu resumo, conclui:
“O número de pessoas com questões de identidade de gênero que buscam ajuda profissional aumentou dramaticamente nas últimas décadas. A porcentagem de pessoas que lamentaram a gonadectomia permaneceu pequena e não mostrou tendência a aumentar”.
Ou seja, caímos novamente no "caso a caso".
As pessoas ainda confundem identidade de gênero com orientação sexual?
Sim. A confusão frente ao sexo é geral, entre os humanos. Freud já havia dito, revolucionando em sua época, que a sexualidade é polimórfica, é múltipla e perversa (no sentido de não ter como único foco a reprodução). Ou seja, é do humano "trombar-se" com o sexual, desde criancinha.
A não aceitação da sociedade afeta diretamente a vida das pessoas trans. 60% dessa parte da população sofre depressão. Como você avalia essa porcentagem?
Discordo logo de cara. Não me parece um dado sério. O que estão chamando de depressão nesse caso. Após despatologizar a transexualidade arrumamos um outro jeito de patologiza-la com a cifra de depressivos / depressivas... Preciso de mais dados para analisar esse valor. Contudo, sem dúvida, a experiência Trans não deve ser muito feliz num país como o nosso, que repudia muito o feminino (pensando nas mulheres violentadas, agredidas em seus domicílios, nas estatísticas de assassinato de mulheres Trans). Tristeza e depressão são coisas distintas.
A rede pública está preparada para receber pessoas trans? Como por exemplo, as escolas e hospitais?
Acho que alguns locais estão mudando e melhorando sua forma de acolher a diferença. No SEAP - FMUSP, a casa da Aids, ambulatório do HC que fica em Pinheiros, tem-se feito uma série de capacitações para que esta população seja acolhida. Um desafio para toda a rede de saúde mas que vem sendo encarado com equipes entusiasmadas como as experiências da Medicina da Família em Florianópolis e João Pessoa, em serviços como o CRTT e o SEAP em SP, dentre outras experiências como os núcleos TRANS na UNIFESP/EPM e na UNICAMP. Nas escolas, tem-se feito debates, mas sem dúvida, há muitos desafios tanto na saúde e na educação.
Como é definido esse laudo, de que a pessoa pode fazer a cirurgia de resignação sexual?
O laudo geralmente não é uma decisão individual do psiquiatra. Ele leva em consideração uma série de fatores e a prática em equipe, avaliando o processo transexualizador como um processo terapêutico singularizado.
Geralmente a família procura o acompanhamento psicológico, ou o próprio trans?
Do que pude acompanhar de minha passagem pelo AMTIGOS - IPQ - USP, que passou a dar ênfase no cuidado de adolescentes e crianças, a participação dos familiares era bastante intensa e fundamental. No consultório, vejo casos em que a família também quer participar do processo, inserindo inclusive as contradições inerentes a essa entrada.