
Entra que você também é de casa
O mundo rejeitou, mas a Casa Florescer acolheu. Conheça o centro de acolhida para mulheres trans e travestis.
A Casa Florescer é um centro de acolhida para mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade social, desde março de 2016 a casa pioneira no Brasil atende a população mais excluída do mundo.
Essa visibilidade se faz necessária quando se vive em um país que mais mata pessoas trans e que são silenciadas nas políticas públicas. O centro atende uma demanda de 30 mulheres, todas as vagas são fixas e de 24 horas, o que diferencia dos outros centros.
A casa é administrada pela instituição Coordenação Regional das Obras de Promoção Humana - CROPH em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social e Secretaria Municipal de Direitos Humanos.
O lar oferece atendimento psicológico em grupo, atendimento social, palestras, oficinas e eventos temáticos. Umas das vertentes importantes da casa é a reconstrução da autoestima, que visa reforçar a identidade de gênero. Além práticas culturais e esportivas, também são efetuados encaminhamentos para áreas de saúde, jurídicos, documentação, educação e cursos profissionalizantes.
A casa florescer, localizada no Bom Retiro – SP, atua para capacitação profissional das meninas. Já se passaram 208 moradoras, sendo que 54 estão inseridas no mercado de trabalho, e muitas delas já deixaram a Casa para fazer a locação em um novo imóvel.
A procura pelo centro é muito alta, então todas essas vagas estão sempre ocupadas, a psicóloga da ONG, Luiza Salles, explica que essas mulheres são encaminhadas pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop).
“Às vezes elas chegam com algumas questões pendentes, como documentação e saúde. A primeiro momento cuidamos da questão da saúde para ver se está fazendo acompanhamento, depois a documentação, e também encaminhamos para escola para concluir o ensino médio. Normalmente elas param no fundamental pela dificuldade do acesso à educação”.
Quando estão na escola, as meninas ganham uma bolsa da TransCidadania para poder acessar os mais diversos campos sociais que até então são negados.
O espaço da casa conta com dois quartos de 10 camas, um com 6 camas e outro com 4 camas na parte inferior, para as meninas que tem mobilidade reduzida (A casa tem duas cadeirantes). O centro tem algumas regras, como faltas e horários, mas a psicóloga explica que sempre reconsidera dependendo da situação.
A casa foi o primeiro serviço que acolheu apenas mulheres trans e travestis, e que deu a oportunidade para as meninas florescerem. A realidade das moradoras mudou completamente, e quando descrevem o que a casa significa, elas dizem que significa a palavra, vida.
Vamos falar das meninas que floresceram
Os sonhos das meninas permeiam pela casa, umas sonham em ser dançarinas, outras sonham em cursar maquiagem. Os sorrisos de orelha a orelha ao contar suas conquistas tomam conta da face inteira, e os olhos fechadinhos e marejados de alegria emocionam qualquer um.
Antes de serem acolhidas na Casa Florescer, elas não sabiam o que era um lar, sem muito contato com a família por terem saído de casa cedo, a única opção foi ir para o mundo das drogas e da prostituição.
Mas a casa deu um novo aspecto de ver a vida, de resistir e lutar, As paredes são todas decoradas com frases de coragem e com uma infinidades de fotos. Elas adoram ser fotografadas.




“Se eu falei que sou a Fernanda, por favor, me respeite. Apenas eu que tenho que me definir”
Foto: Visões
Fernanda, tem 23 anos e está na Casa Florescer desde fevereiro deste ano. Conheceu o projeto através de um amigo militante do coletivo Arouchianos, coletivo esse que ela também faz parte e que juntos lutam em prol da visibilidade da comunidade lgbti+.
Fernanda conta que muitas vezes a proibiram de ser ela, como em clinicas de reabilitação e isso a incomoda muito. Quanto a sua família sempre a respeitou enquanto mulher trans, porém nunca entenderam o porquê dela fazer programa. Fernanda saiu de casa cedo, e depois que começou sua transição não teve mais oportunidade de emprego. Viveu dois anos na rua, e está tentando se realocar no mercado de trabalho para assim mudar sua vida.
Está no caminho, hoje se sente realizada em ser a Fernanda. “Podem me tirar tudo, menos minha identidade”. Quando fala do sonho de ser dançarina seus olhos brilham, ela diz que a casa a ajuda a pensar no futuro e ter ânimo para realizar seus sonhos.
“Tudo que eu sinto eu jogo na arte, para eu não me jogar na rua”
Em todos os momentos ela se mostrou forte, diz ser preocupante viver em um país que mais registra assassinato de pessoas trans, mas tenta não colocar isso na cabeça.
Fernanda acredita que as mudanças sociais estão acontecendo, mas as pessoas não estão acompanhando. Elas devem quebrar tabus e aprender com as diferenças. E mesmo com esse cenário de ódio atual, ela tem esperança de que tudo melhore.
“Eu quero viver e resistir, escrever minha história e deixar minha marca. Vamos continuar ecoando vozes”
A outra história fica por conta da kenya, ela tem 27 anos e foi colocada para fora de casa depois de algumas intrigas, foi quando começou a fazer acompanhamento no Centro de Referência de Diversidade (CRD) e depois indicada para Casa Florescer que já está há mais de 5 meses.
“Nunca tinha vivido esse mundo. Já morei muito tempo em casa de cafetina, mas deixei para viver outra vida. Uma vida melhor, procuro me estabilizar e ter minha autonomia”.
Ela conta que o projeto é maravilhoso e desenvolve várias atividades, está à procura de um emprego e a porta se abriu para ser agente de saúde. Kenya está se capacitando e estudando para realizar todos os seus sonhos, assim como Fernanda, não tira o sorriso do rosto, e mesmo com todos os impasses cotidianos a luta continua. Ela diz que se sente segura na casa, pelo menos não está na rua, é tratada como filha e muito respeitada.
“É assim que eu gostaria de ser enxergada, com mais olhar humano”
Mais uma moradora da casa para nos emocionar. Essa é Lorrany, 41 anos e conta que a Casa Florescer lhe deu a vida, e que ela custou a acreditar que tudo aquilo era real, em suas palavras, o único meio de sobrevivência era esquina. Também foi mais uma da lista das que foram embora de casa cedo. Foi expulsa por seus país e viveu uma realidade difícil, como prostituição e drogas para poder sobreviver.
Ela conta que hoje perdoa os país e que entende que são tempos diferentes. Mas além da rejeição familiar, Lorrany sofreu na escola, espaço que deveria acolher e instruir que o diferente ensina, e que nada seria do azul se todos gostassem do amarelo.
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“A maior dificuldade da trans é a escolaridade, tínhamos uma não aceitação na escola muito grande. Muitas das vezes a professora me colocava no carrinho e me levava embora até uma altura do caminho”
Mas Lorrany resistiu e rompeu barreiras impostas pela sociedade. Hoje se encontra limpa e faz curso de customização. Em sua bagagem, leva interesse e simplicidade, seu olhar para vida é de quem sofreu muito, mas que acreditou em dias melhores e está sendo agraciada por todos seus esforços.
Embora a sociedade esteja muito aquém do ideal, ela diz que as meninas estão conseguindo mostrar que são capazes.
“Minha capacidade é maior do que eu penso, estamos criando vestidos do básico e sabemos que temos talento para levar esses modelos para passarela”
A experiência de vida rendeu histórias que a moradora da Casa Florescer adora contar, sem medo da rua, sem medo de viver e sem medo de sonhar, ela diz os dias ruins nem são mais lembrados por ela. Hoje ela se sente realizada em ser a Lorrany e satisfeita em estar viva para contar sua história para Visões.
Vídeo: Visões